Programa Escolaí recupera sonhos e talentos adormecidos em meio à vulnerabilidade social em São Paulo

Jovens e famílias da EE Laís do Amaral Vicente, no extremo Sul da capital, ganham apoio da iniciativa para reconhecer seus potenciais e ampliar vínculo com a escola
Já pensou nos impactos que a imagem pública negativa de uma escola pode gerar no desenvolvimento e autoestima dos jovens que ali estudam – especialmente quando essa imagem não corresponde à realidade?
Esse desafio, vivenciado por muitos anos pela Escola Estadual de Ensino Fundamental II Laís do Amaral Vicente, na região Sul de São Paulo, gerou uma série de problemas, que passavam inclusive pelo abandono escolar e pela falta de engajamento de familiares em reuniões pedagógicas.
“Enfrentávamos uma desinformação das pessoas, que acreditavam em boatos, de que lá havia violência e um ensino precarizado”, conta a professora de história e ex-coordenadora pedagógica da escola, Flavia Scandar.
Por isso, quando ela e alguns colegas assumiram a gestão, em 2020, iniciou-se uma busca por projetos que trabalhassem, antes de tudo, com a integração entre as pessoas que compõem a comunidade escolar – em sua maioria, pais e alunos da favela do Vietnã, bairro vizinho à escola.
“Fazíamos bazar dentro da escola e outras atividades em que podíamos mostrar aos pais que estávamos fazendo um trabalho rico, e que seus filhos estavam em boas mãos. Também mudamos tudo, inclusive os muros e o próprio prédio da escola. Queríamos renovar o que era possível para construir uma nova fase do Laís Amaral”, recorda.
Para somar a esse movimento, em 2023 Flavia e os colegas decidiram inscrever a escola no Programa Escolaí. Os professores foram atraídos pela possibilidade de atuar em ações interdisciplinares, que fortalecessem a união que tanto buscavam e, ao mesmo tempo, que desenvolvessem habilidades alinhadas à BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e ao mundo do trabalho.
Era uma oportunidade de despertar sonhos e talentos adormecidos em meio à vulnerabilidade social. E tudo isso a partir da força do pertencimento e do fortalecimento de vínculos entre jovens, escola e comunidade.
“Quando a gente leu o projeto, ele fazia muito isso que a gente acreditava, com uma proposta de transformar aquele aluno em protagonista, de trazer aquele aluno para o centro, de trabalhar essas habilidades emocionais e mostrar que ele consegue transformar o ambiente. [Além disso], de trazer toda a comunidade escolar para dentro da escola, para visualizar como sua”, destaca.
Transformação na prática
Várias iniciativas foram realizadas durante o ano. A começar pela conscientização ambiental, com jogos que contribuem para a diminuição do lixo nos arredores da escola, e do descarte inadequado de resíduos durante os intervalos das aulas. Mas o que mais engajou a comunidade foi a missão “O Legado e História da Nossa Escola”.
Os Guardiões da Juventude do Escolaí escolheram resgatar a vida de Lais Amaral Vicente (1920-1970) e, a partir disso, fizeram um grande painel de desenhos, em que cada estudante criou uma versão diferente do retrato de Lais: negra, japonesa, com vitiligo, loira… A partir da memória institucional, também surgiu a ideia de resgatar memórias afetivas.
Estudantes e professores convidaram ex-alunos para compartilhar boas memórias nos mesmos corredores da escola, mas anos atrás. Foram realizados vídeos documentais com depoimentos, apresentados posteriormente dentro de uma grande caixa interativa.
“Fazíamos um grande esforço para expor esse evento, e de repente tínhamos os próprios grupos do bairro divulgando, pelas ruas, nas redes sociais, pedindo para que as pessoas estivessem com a gente e fossem aos nossos eventos”, explica Flavia.
A escola acabou sendo uma das premiadas da edição de 2023 do Programa Escolaí. E, já naquele ano, zerou sua taxa de abandono – que já havia chegado a 7,5%, como em 2014, segundo dados do portal QEdu. Os pais também se tornaram mais presentes e parceiros.
Em 2024, Flavia assumiu o cargo de professora especialista em currículo da Diretoria de Ensino Sul 1 da Secretaria de Estado de Educação de SP. De sua nova posição, ela segue vibrando por cada bom resultado da Laís Amaral e se tornou uma espécie de “embaixadora” do Escolaí em toda a Diretoria de Ensino.
“Defino a experiência como uma reconstrução. Uma reconstrução da trajetória do nosso trabalho, da escola, e de toda a comunidade”, reflete, emocionada.
—
Por Agnes Sofia Guimarães, especial para a Fundação Otacílio Coser